Veto PL ensino domiciliar

Veto PL ensino domiciliar

VETO TOTAL PL 170-2019  (clique aqui)

 

OF.GG/SL - Porto Alegre/RS.

VETO TOTAL AO PROJETO DE LEI Nº 170/2019 (clique aqui)

Senhor Presidente:

Dirijo-me a Vossa Excelência para comunicar, utilizando da prerrogativa conferida pelo artigo 66, § 1º, combinado com o artigo 82, inciso VI, da Constituição Estadual, que decidi vetar na íntegra o Projeto de Lei nº 170/2019, que dispõe sobre educação domiciliar e dá outras providências, o qual foi aprovado na sessão plenária da Assembleia Legislativa do dia 08 de junho de 2021.

Em que pese ser meritório, o Projeto de Lei de iniciativa do Deputado Fábio Ostermann deve ser vetado por razões de constitucionalidade, conforme passo a demonstrar.

Sob o aspecto jurídico, o Projeto padece de vício dada a competência privativa da União para legislar sobre a matéria.

O Supremo Tribunal Federal decidiu, ao apreciar o Recurso Extraordinário nº 888815 - Repercussão Geral, que "o ensino domiciliar não é um direito público subjetivo do aluno ou de sua família, porém não é vedada constitucionalmente sua criação por meio de lei federal, editada pelo Congresso Nacional":

CONSTITUCIONAL. EDUCAÇÃO. DIREITO FUNDAMENTAL RELACIONADO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E À EFETIVIDADE DA CIDADANIA. DEVER SOLIDÁRIO DO ESTADO E DA FAMÍLIA NA PRESTAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL. NECESSIDADE DE LEI FORMAL, EDITADA PELO CONGRESSO NACIONAL, PARA REGULAMENTAR O ENSINO DOMICILIAR. RECURSO DESPROVIDO. 1. A educação é um direito fundamental relacionado à dignidade da pessoa humana e à própria cidadania, pois exerce dupla função: de um lado, qualifica a comunidade como um todo, tornando-a esclarecida, politizada, desenvolvida (CIDADANIA); de outro, dignifica o indivíduo, verdadeiro titular desse direito subjetivo fundamental (DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA). No caso da educação básica obrigatória (CF, art. 208, I), os titulares desse direito indisponível à educação são as crianças e adolescentes em idade escolar. 2. É dever da família, sociedade e Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, a educação. A Constituição Federal consagrou o dever de solidariedade entre a família e o Estado como núcleo principal à formação educacional das crianças, jovens e adolescentes com a dupla finalidade de defesa integral dos direitos das crianças e dos adolescentes e sua formação em cidadania, para que o Brasil possa vencer o grande desafio de uma educação melhor para as novas gerações, imprescindível para os países que se querem ver desenvolvidos. 3. A Constituição Federal não veda de forma absoluta o ensino domiciliar, mas proíbe qualquer de suas espécies que não respeite o dever de solidariedade entre a família e o Estado como núcleo principal à formação educacional das crianças, jovens e adolescentes. São inconstitucionais, portanto, as espécies de unschooling radical (desescolarização radical), unschooling moderado (desescolarização moderada) e homeschooling puro, em qualquer de suas variações. 4. O ensino domiciliar não é um direito público subjetivo do aluno ou de sua família, porém não é vedada constitucionalmente sua criação por meio de lei federal, editada pelo Congresso Nacional, na modalidade "utilitarista" ou "por conveniência circunstancial", desde que se cumpra a obrigatoriedade, de 4 a 17 anos, e se respeite o dever solidário Família/Estado, o núcleo básico de matérias acadêmicas, a supervisão, avaliação e fiscalização pelo Poder Público; bem como as demais previsões impostas diretamente pelo texto constitucional, inclusive no tocante às finalidades e objetivos do ensino; em especial, evitar a evasão escolar e garantir a socialização do indivíduo, por meio de ampla convivência familiar e comunitária (CF, art. 227). 5. Recurso extraordinário desprovido, com a fixação da seguinte tese (TEMA 822): "Não existe direito público subjetivo do aluno ou de sua família ao ensino domiciliar, inexistente na legislação brasileira".

(RE 888815, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 12/09/2018, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-055 DIVULG 20-03-2019 PUBLIC 21-03-2019)

Conforme estabelecido pela Constituição Federal em seu art. 209, o ensino é livre à iniciativa privada, desde que cumpridas as normas gerais da educação nacional e atendidas a autorização e a avaliação de qualidade pelo Poder Público.

Por sua vez, o inciso XXIV do art. 22 da Constituição da República estabelece competir privativamente à União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que são inconstitucionais as normas estaduais e distritais que disponham de forma conflitante em matéria atinente a "diretrizes e bases" da educação (ADI 2501, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 04.09.2008, e ADI 2667 MC, rel. Min. Celso de Mello, j. 19.06.2002.).

Como se pode ler no voto do Min. Alexandre de Moraes no RE 888.815:

" [...] A partir dessas circunstâncias, não estará vedada a opção dos pais pelo ensino domiciliar, desde que siga os mesmos conteúdos básicos do ensino escolar público e privado, que permita a supervisão, fiscalização e avaliações periódicas, ou seja, que acompanhe e concretize o dever solidário da Família e Estado em educar as crianças, adolescentes e jovens, nos termos constitucionais.

Entendo ser a única espécie de ensino domiciliar autorizada pelo texto constitucional, pois não exclui a concretização do dever de solidariedade estatal. Esse modelo chama-se utilitarista porque, sem se opor radicalmente à ideia de institucionalização e à supervisão estatal, apresenta-se como alternativa útil para prover os fins educacionais de modo tão ou mais eficiente que a escola.

Nem Estado e nem família podem abrir mão dessa convivência, pois é um dever de ambos. Portanto, somente é admitida pela Constituição Federal a possibilidade do "ensino domiciliar utilitarista", com base no dever solidário Família/Estado, com regramento legal, com fiscalização, com avaliações periódicas e observância das finalidades e objetivos constitucionais.

O ensino domiciliar não é um direito público subjetivo do aluno ou de sua família, porém não é vedado constitucionalmente na modalidade "utilitarista" ou "por conveniência circunstancial", desde que se cumpra a obrigatoriedade, de 4 a 17 anos, e se respeite o núcleo básico de matérias acadêmicas, a supervisão, avaliação e fiscalização pelo Poder Público, e sejam observados os objetivos e finalidades constitucionais do ensino; tal qual ocorre em relação ao ensino privado, tanto aquele economicamente destinado à iniciativa privada, quanto às escolas comunitárias, nos termos do artigo 209 da Constituição Federal .

O ensino domiciliar somente existirá se houver criação e regulamentação pelo Congresso Nacional, por meio de lei federal . A criação dessa modalidade de ensino não é uma obrigação congressual, mas sim uma opção válida constitucionalmente na citada modalidade utilitarista e desde que siga todos os princípios e preceitos que a Constituição estabelece de forma obrigatória para o ensino público ou para o ensino privado.

É possível, portanto, ao Congresso Nacional - assim como estabelece quem pode e como pode ser fornecido o ensino privado e o ensino comunitário - criar e disciplinar o ensino domiciliar , seguindo os princípios e preceitos da Constituição, inclusive o dever de solidariedade Família/Estado, por meio de prévia regulamentação, que estabeleça mecanismos de supervisão, avaliação e fiscalização, e que respeite os mandamentos constitucionais, inclusive a norma direta do art. 208, § 3º.

A Constituição estabelece obrigatoriedade de frequência no ensino, cuja regulamentação e fiscalização são previstas na legislação . Hoje, por exemplo, temos, senão no ensino obrigatório, mas já no ensino universitário e outras formas, o ensino a distância. Não há uma única fórmula de se estabelecer frequência.

Agora, há a necessidade para se cumpra, no tocante ao ensino domiciliar, esse importante dispositivo constitucional de combate à evasão escolar, que a lei estabeleça os critérios de frequência e sua fiscalização." (grifos nossos)

E no exercício da competência prevista no inciso XXIV do art. 22 da Constituição Federal, a União editou a Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, prevendo sem seu art. 6º que "É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos 4 (quatro) anos de idade."

No mesmo sentido está a Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências, a qual prevê expressamente em seu art. 55 que "Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino".

Assim, da leitura das normas federais em vigor, fica clara a obrigatoriedade de crianças e jovens serem matriculados e frequentarem a escola, estando inclusive sujeitos a ações judiciais os pais e/ou responsáveis que não cumprirem essa responsabilidade.

Portanto, somente lei federal poderá modificar esse status quo e regulamentar o ensino domiciliar, não sendo possível aos demais entes federados tratarem da matéria sob pena de usurpação da competência exclusiva da União Federal, restando clara assim a inconstitucionalidade do Projeto ora vetado.

Por todo exposto, por razões de inconstitucionalidade, veto totalmente o Projeto de Lei nº 170/2019, propiciando a esse Egrégio Poder a reapreciação da matéria, certo de que os nobres deputados, ao conhecerem dos motivos que me levaram a não acolher a proposta, reformularão seu posicionamento.

Atenciosamente,

 

EDUARDO LEITE,

Governador do Estado.

 

Publicado no DOE em 2 de Julho de 2021 (2ª edição a partir da página: 4)

https://www.diariooficial.rs.gov.br/materia?id=565769 




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