Vida de professor

Vida de professor

Vida de professor

Fabiano da Costa

Já lecionei para filha que foi expulsa de casa pelos pais ao ficar gravida. Já dei aula para criança que sofreu violência sexual do próprio pai. Já lecionei para gente que dizia que queria que eu fosse o pai dela, que ela nunca conheceu. Já dei aula para crianças que tinham medo de voltar para casa por ter um pai alcoólatra e violento. Já apliquei prova pela manhã para quem não tinha dormido, por que passou a noite na delegacia, depois do pai quebrar a casa toda e bater na mãe. Já estive em sala de aula com educandos que tinham de buscar a mãe no bar ou até na boca.

Já dei aula para guris caindo de tão chapados. Já dei aula para uma gurizada que fervia: estava na escola para matar o tempo até serem mortos. Já dei aula para crianças analfabetas e que não sei como, chegaram ao fim do último ano do fundamental. Já dei aula para gente que apanhou da Polícia na esquina da escola, e me pediu para falar das senzalas de novo para ele entender

Já dei aula para crianças com retardo mental e que me sorriam para eu sorrir de volta - e eu lá, com muitos problemas, cansado, mas sabendo que naquele momento era o que eu poderia fazer de melhor.

Já conversei com pais e mães que saíram quase meus amigos ou amigos da escola. Iam lá por que o filho ou a filha desaparecia do colégio ou simplesmente desaparecia de casa. Já dei aula para educandos com fome, querendo saber se haveria merenda naquele dia e qual seria. Já perguntei por gente na chamada que estava ausente simplesmente por ter sido assassinado.

Com certeza, a imensa maioria destes estudantes não estava lá para ouvir eu falar de Idade Média ou Primeira Guerra Mundial. A escola pública muitas vezes não é só a única chance de ascensão dos pobres neste país, mas a única forma de sobreviverem.

O senhor Ministro da Educação defende o Mercado: Que então dê aula na Bolsa de Valores. O senhor presidente defende a Família tradicional: Ele que escolha uma das tantas que hospedou um destes meus educandos e faça um estágio por lá.

Escola pública não é teoria, nem pauta de laboratório para experiências para novos paradigmas do Mundo acadêmico, surgidos eventualmente a cada dissertação. Escola pública é responsabilidade do Estado e de toda a sociedade - a mesma que só resolve pensar em escola pública quando fazemos greve ou quando um idiota inventa estórias malucas e pervertidas sobre mamadeiras ou Kits gays. Os mesmos pais que reclamam de eu fazer greve, são os mesmos que votam em quem defende o Estado Mínimo e a redução de investimentos públicos, justamente na escola que serve ao filho ou filha deles.

Ao fim de tudo, ainda tenho de manter a sanidade sob um governador do RS que considera nossos salários altos (1.152 reais) ou um membro da burocracia SMED (de Rio Grande) que diz que "professor trabalha pouco e só reclama". E sim: Manter a sanidade, sob pais indo para as Redes sociais dizendo que debate de Educação sexual é competência dele e não da escola, enquanto a filha dele parou de ir a aula por que estava grávida, ou o filho engravidou e não tinha como sustentar. Todo mês invisto mais de R$ 100 do que ganho para me aprimorar e ter de escutar Bolsomito ou Bolsomita na sala de aula, dizendo que "A Ditadura era boa".

Sejamos objetivos: Fernando Henrique iniciou a depredação final da Educação pública que teve inicio com a reforma curricular da Ditadura, em 1971. Erradicou com a censura na aula, mas levando de arrasto o método tradicional, eficaz para o desenvolvimento da leitura. Lula e Dilma confundiram Democratização do ensino com regras elásticas de alfabetização e letramento, e perseguindo os indicies de aprovação do Primeiro Mundo, e que promoveram aprovação em massa. Ao gosto da OCDE e do Mercado, ignoraram as advertências da UNESCO. O resultado é que a maioria dos jovens não conseguiria compreender o que estou escrevendo aqui. E isto me deixa muito assustado.

Mas nada de desanimo: Mesmo sob tudo isto, sob este desastre sócio-econômico, a escola pública ainda é um dos poucos espaços do Estado que funciona: abre de segunda a sábado, e recebe a todos sem distinção. Não se sabe até quando, mas ainda funciona. E tanto funciona que em toda a eleição, é sempre pauta para alguém dizer o que lhe vem a cabeça, mesmo que ele não saiba porra nenhuma sobre Escola pública, sobre educação ou sobre que esteja dizendo. Ou seja: a escola é de todos, e por isto, todo mundo sempre sabe mais do que o professor que está em sala.

 

Fabiano da Costa

 

* Este texto foi escrito direto no Face, agora mesmo, então alguns erros são possíveis e apontáveis; Não uso a palavra "professor" amiúde, por considera-la equivocada; Fica em memória de um leitor assíduo do que escrevo, o brizolista e amigo Adjalmo da Cunha, falecido no domingo, dia 23 de junho de 2019.


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