Vida e Morte do grande sistema escolar americano

Vida e Morte do grande sistema escolar americano

VIDA E MORTE DO GRANDE SISTEMA ESCOLAR AMERICANO: COMO OS TESTES PADRONIZADOS E O MODELO DE MERCADO AMEAÇAM A EDUCAÇÃO

Jane Cordeiro de Oliveira  - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), janecoliveira@yahoo.com.br

 A autora desta obra, Diane Ravitch, é professora de História da Educação e pesquisadora no campo da Educação pela New York University. De 1991 a 1993 ela foi consultora e assistente de Lamar Alexander, Secretário de Educação do governo George W. Bush. Também foi membro da “National Assistent of Educational Progress” no período de 1997 a 2004, que organiza o programa de testes educacionais nos Estados Unidos. Neste período, ela era uma defensora da implantação de políticas de avaliação de alunos promovida pelo governo Bush, inclusive participando de sua implantação inicial nas escolas norte americanas.

Autora de livros como: “The Language Police: How Pressure Groups Restrict What Students Learn (2003)”; “Edspeak: A Glossary of Education Terms, Phrases, Buzzwords, and Jargon” (2007) e seu livro mais recente, “The Reign of Error: The Hoax of the Privatization Movement and the Danger to America’s Public Schools” (2013). Atualmente, Ravitch é uma intelectual crítica dos testes padronizados e este livro é o resultado de suas considerações e reflexões.

O livro “Vida e Morte do grande sistema escolar americano: como os testes padronizados e o modelo de mercado ameaçam a Educação” publicado no Brasil pela Editora Sulina, é uma obra destinada a estudiosos das políticas educacionais norte americanas e pelos demais interessados por temas vinculados à Educação. Ravitch põe em cheque o programa de avaliação nacional criado no governo George W. Bush, o chamado NCLB (No Child Left Behind) – “Nenhuma criança fica para trás”, do qual participou e, mais recentemente, passou a criticar estas políticas. Ela descreve a trajetória histórica das políticas educacionais vigentes nos Estados Unidos, sendo uma de seus personagens, vivenciando os acontecimentos, ao mesmo tempo que faz uma crítica contundente às políticas de avaliação com testes padronizados implantados pelo governo norte americano. A autora dialoga diretamente com o leitor, transportando-o para “dentro” da narrativa, desenhando em sua mente as disputas nos campos político, econômico e cultural que fazem parte da construção das políticas educacionais dos Estados Unidos.

 A leitura é relevante para os estudiosos do campo educacional porque as reflexões de Ravitch se aproximam das atuais políticas públicas em crescimento no Brasil que passaram a priorizar o currículo único e as avaliações padronizadas como indicadores que qualidade da educação. O texto apresentado tece com muita propriedade críticas a estes sistemas defendendo a identidade curricular e as avaliações subjetivas como parte da formação integral dos estudantes. Para a autora, o currúculo padronizado empobrce os debates entre docentes, impede o enriquecimento do conhecimento construído entre professores e alunos e desconsidera as peculiaridades regionais das escolas. O livro contém uma reflexão consciente de uma pessoa que, durante sua trajetória profissional defendeu ferrenhamente o sistema de avaliações padronizadas quando foi secretáriaassitente de Lamar Alexander, secretário de educação do governo de George Bush. Atualmente, Ravitch critica as políticas que priorizam a avaliação em detrimento da aprendizagem.

A obra apresenta questionamentos aos sistemas educacionais vigentes que vinculam qualidade ao desempenho discente em provas padronizadas munido-se de ferramentas vindas de sua própria formação acadêmica, a cátedra de História. Este livro mostra os meandros do sistema escolar norte americano e como este sofre a influência dos grandes grupos econômicos e empresariais interferem na organização e nas prioridades das políticas dos sistemas públicos escolares.

Para os estudiosos de políticas educacionais, conhecer o sistema escolar norte americano, ajuda na compreensão das questões existentes atualmente no Brasil como os debates em torno da unificação curricular e do direcionamento de investimentos públicos à políticas que priorizam o desempenho escolar. Ravitch revela como os professores norte-americanos receberam estas reformas e se organizaram para minorar os efeitos destas influências assim como as diversas camadas sociais da população nos diferentes estados americanos perceberam estas políticas. Ravitch afirma que as avaliações sistêmicas deveriam ser referência para direcionamento de ações políticas para diagnóstico e solução de problemas nos sistemas educacionais e não como instrumentos de punição para escolas e professores.

Outra crítica relevante que Ravitch faz ao sistema escolar norte americano é a preponderância das disciplinas de Língua Inglesa e Matemática sobre as demais disciplinas formadoras do currículo, apontando para o deseprestígio das mesmas. Por isso, a indicação de leitura desta obra como relevante para os estudiosos da área da Educação. A estrutura do livro é dividida em onze capítulos.

O primeiro capítulo intitulado: “O que eu aprendi sobre a reforma escolar” Ravitch descreve sua trajetória como professora em New York e seu interesse em fazer um levantamento da história das reformas educacionais do século XX. Ela inicia com a descrição de sua residência no bairro do Brookin em Nova York e como, revirando seus livros antigos ela inicia o processo de reflexão que resultou no levantamento histórico que a autora fez sobre a educação nova iorquina no século XX.

No capítulo dois: “Sequestrado! Como o movimento pelas Referências Curriculares se transformou num Movimento de Testagem” Ravitch revela que o movimento de implantação do NCLB resulta em disputas políticas e econômicas das diversas camadas da sociedade americana que se posicionam a favor ou contra ao estabelecimento de um currículo único em todo o território norte americano e faz algumas críticas a respeito do relatório “A Nation at Risk” - “Uma nação em risco” (1983) condenando o fato das escolas serem consideradas as únicas responsáveis pelo fracasso dos alunos nos testes internacionais.

No capítulo três: “A transformação do Distrito 2” Ravitch revela como funciona a estrutura da educação municipal da cidade de Nova York e como se deu o processo da implantação de reformas que priorizavam a avaliação de leitura e como o distrito se destacou na mídia. Ela revela que as reformas ocorridas no distrito foram, de certa forma, transitórias, sendo substituídas por outras políticas menos radicais, mas, que mantinham o sistema de avaliação por provas padronizadas.

O capitulo quatro: “Lições para San Diego” mostra o impacto de reformas radicais na educação pública do distrito de San Diego, o projeto denominado “Letramento Balanceado”, como as reformas afetaram o trabalho de docentes e gestores e enfraqueceram os sindicatos dos professores fortalecendo camadas da sociedade que defendiam os testes padronizados e políticas de responsabilização.

O capítulo cinco denominado: “A lógica de mercado em Nova York” destaca a influência do empresariado na administração pública e na gestão das redes públicas escolares na cidade de Nova York, destacando as influências de Blomberg, Klein e da Fundação Bill e Melinda Gates na estruturação de escolas de ensino médio.

 O capítulo seis: “NCLB: testar e punir”, a autora descreve o projeto federal do George W. Bush que tinha como meta a reforma da educação pública através de aplicação de testes padronizados em leitura e matemática resultando na classificação das escolas de acordo com as metas governamentais estabelecendo critérios de proficiência para as escolas. De acordo com o resultado que cada escola obtinha nestes testes, cumprindo as metas de proeficiência, esta receberia mais investimentos ou poderia ser fechada. O NCLB tornou-se um agente de premiação e punição escolar:

...quando a escola “fracassada” é fechada e então reaberta com um novo nome, um novo tema e novos estudantes...Em vez de “não deixar nenhuma criança para trás”, a estratégia faz um truque de desaparecer com os estudantes de baixa performance, fazendo-os mudarem ou dispersando-os, fingindo que eles não existem (2011, p. 125).

O capítulo sete denominado: “Escolha escolar: a história de uma ideia” Ravitch relata como surgiram as escolas integradas que acolhiam crianças negras e brancas e como os pais tentavam escapar dessas escolas que eram consideradas pelos pais como “escolas de baixo prestígio”.

O capítulo oito: “O problema da responsabilização” ela descreve como governo expande os testes padronizados em todo o país através de um acordo político entre os partidos Republicano e Democrata fazendo com que os testes servissem como um “termômetro” para medir a eficiência das escolas. Ravitch expõe as falhas nos parâmetros dos testes e questiona sua eficácia por serem considerados os únicos instrumentos válidos para determinar a qualidade das escolas.

O capítulo nove: “O que a Sra. Ratliff faria?” a autora homenageia sua professora de literatura descrevendo a forma que ela ensinava a seus alunos, ressaltando que a Sra. Ratliff não se preocupava com testes mas, seu objetivo era estimular os discentes a apreciar a literatura como estratégia para a construção de caráter. Ravitch afirma que existem conteúdos que não podem ser mensurados por testes objetivos pois estes avaliam somente os conhecimentos de leitura e matemática. Com isso, ela critica a desvalorização das demais disciplinas, ressaltando que são fundamentais na formação integral do educando e que não podem ser avaliadas através de testes padronizados. Ela termina o capítulo com este comentário:

Conforme nós expandimos as recompensas para professores que aumentam os escores em habilidades básicas, nós honraremos esses professores que despertam em seus estudantes um interesse passional por história, ciências, artes, literatura e línguas estrangeiras? Se nós falharmos em atrair e reter professores como Ruby Ratliff, nós produziremos cidadãos mais bem educados? As nossas escolas encorajarão os pensadores inovadores que avançam a sociedade? Não é provável. (2010, p.218)

O capítulo dez intitulado: “O clube dos bilionários” há um destaque para os projetos educativos financiados e gerenciados por fundações ligadas a grandes empresários como, por exemplo, a Fundação Ford e a Fundação Bill & Melinda Gates revelando a influência empresarial na organização das escolas e como estas fundações, na visão da autora, não trouxeram mudanças significativas no aumento do desempenho dos alunos.

No capítulo final: “Lições Aprendidas”, Ravitch sai em defesa da educação pública e de um resgate dos valores aprendidos na escola como parâmetro de qualidade na educação e de um currículo que contemple esses valores. Para ela, as reformas por si só não irão transformar a educação nem melhorar sua qualidade. Ela defende que os conteúdos não mensuráveis são tão importantes quanto os testes pedronizados de leitura e matemática. Para a autora, a chave da melhoria do ensino é um currículo estruturado e diversificado.

A respeito da avaliação, Ravitch defende que os testes padronizados não devem ser a única forma de avaliar a qualidade do ensino e das escolas, e que estas não deveriam ser fechadas quando apresentam problemas, mas, avaliadas a fim de investigar como elas podem melhorar, respeitando a diversidade das escolas, priorizando, não índices, mas, a aprendizagem.

A obra é uma leitura recomendada não somente para os interessados em políticas educacionais como para pesquisadores nas áreas da Educação, Sociologia, História, e Ciências Políticas a fim de compreenderem como as políticas internacionais influenciam os sistemas públicos de educação dos países periféricos como, por exemplo, o sistema educacional brasileiro.

Referência

RAVITCH, Diane. Vida e Morte do Grande Sistema Escolar Americano: como os testes padronizados e o modelo de mercado ameaçam a Educação. Porto Alegre, Sulina, 2011, 318p.

 

http://www.revistas.uniube.br/index.php/rpd/article/viewFile/899/1137 




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