Virei um voto
Eu nunca fui de tentar convencer os outros a mudarem seu voto, primeiro, porque sinto que o trabalho do jornalista é informar o público para que ele decida; e segundo porque sou uma republicana das mais caretas e acho, sim, que as posições políticas têm que ser respeitadas, desde que dentro do jogo democrático. Mas é justamente disso que se trata o momento atual, e também esta nossa newsletter: já saímos, há muito, da normalidade democrática.
Na última terça-feira eu participei da bancada do Roda Viva, que foi gravada no estúdio da TV Cultura em uma tarde chuvosa em São Paulo. Na noite anterior, a apresentadora do programa, Vera Magalhães, fora assediada de maneira violenta pelo deputado estadual Douglas Garcia, da base do presidente Jair Bolsonaro, que a filmou para “engajar” seus seguidores em redes sociais proferindo mentiras sobre o seu salário, no Memorial da América Latina; o diretor de jornalismo da TV, Leão Serva, agarrou o telefone e atirou-o para longe.
No dia seguinte, sorridente e inabalável, Vera estava comandando o Roda Viva que entrevistaria o professor de Harvard Steven Levitsky, coautor do livro Como as Democracias Morrem (ed. Zahar), já um clássico para entender os autocratas de hoje em dia como Trump e Bolsonaro. Durante a entrevista, um colega da bancada perguntou a Steven Levitsky se ele estaria sendo “irresponsável” ao votar no que chamou de “terceira via” no primeiro turno, deixando para votar no segundo turno para derrotar o atual presidente. A resposta foi magistral, como as demais do professor. Para não dar spoiler, resumo: “é arriscado”, disse ele.
Era nisso, e em mais esse ataque à jornalista, que eu estava pensando quando entrei no Uber a caminho do trabalho no dia seguinte. Depois de um bom dia alegre, decidi perguntar ao motorista em quem ele ia votar. “Acho que voto no Bolsonaro”, disse, numa resposta mais que esperada. Mas naquele dia, decidi entender o que o levava a votar no presidente mais mal avaliado dentre todos os que tentaram um segundo mandato.
— Eu nunca votei no PT – respondeu – Até votaria no Ciro, mas ele é meio maluco.
Achei boa a deixa:
— Mas o atual presidente também é maluco, né? Você não viu ele agredindo a jornalista no debate? Ele não consegue se segurar.
— É, realmente, ele não tem assim autocontrole.
— O senhor não acha que um pai de família tem que ter autocontrole? A pessoa pode perder a paciência e ser violento com qualquer coisa?
Ele foi raciocinando: “A senhora tem razão, não dá. E se o cara ouve uma coisa que não gosta, por exemplo, aqui no meu Uber, se o passageiro fala algo que eu não gosto eu não vou ser grosso com ele”.
Achei que estava avançando, quando ele me perguntou: “o que a senhora faz”? Pensei que tinha pedido a parada. Afinal, hoje em dia, infelizmente, se dizer jornalista pode despertar raiva ou desconfiança imediata, em especial de quem gravita pelas redes bolsonaristas ou é influenciado por elas, como era o caso dele. Já chego lá.
— Pois é – disse ele – se a jornalista pergunta uma coisa que ele não gosta, ele tem que responder né? Se o cara é autoridade. Ou então, ficar quieto.
“Sim”, respondi, “poderia ficar quieto”. E aproveitei pra fazer um desabafo que quase nunca faço em público. Sem me exaltar, fui explicando como, por causa dos ataques de Bolsonaro às jornalistas mulheres, todas nós somos assediadas e ameaçadas cotidianamente nas redes sociais, diante das nossas famílias, que ligam, preocupadas e muitas vezes nos imploram pra pararmos de exercer a nossa profissão. Relembrei o caso de uma colega querida, que recebeu uma mensagem sobre “merecer ser derretida no ácido”. Lembrei que já me mandaram “procurar uma rola” no Twitter. Ele ficou chocado:
|