Você é feminista?
Ei, psiu! Você é feminista?
Ana Paula Bordin 19/10/21
Imagine a seguinte cena:
Rapazes e moças lotam a antessala do departamento de recursos humanos de uma grande empresa enquanto aguardam a entrevista. Ao serem chamados pelo responsável por efetivar as contratações, candidatos e candidatas à vaga são questionados sobre pretensões salariais, suas potencialidades para contribuir com o desenvolvimento da empresa e experiência profissional. A elas – e diga-se claramente que somente a elas – algumas perguntas extras. “Você tem filhos? De que idade? Quem ficará com a(s) criança(s) enquanto você trabalha?” Se você acha estranho que essas perguntas sejam feitas exclusivamente a mulheres, quando na realidade a responsabilidade de cuidar dos filhos deve ser compartilhada igualmente entre pai e mãe, há indícios de que você seja feminista.
E mais estas cenas:
Em uma reunião de trabalho uma mulher dá uma ideia incrível sobre o assunto em pauta. Seu chefe faz de conta que não escuta, mas instantes depois apresenta a mesma ideia como se fosse dele.
Uma autora de renome é abordada por um desconhecido em uma livraria. Ele tenta convencê-la a ler um determinado livro sem deixar que ela fale sobre o assunto e, pior, ignora o que ela tenta contar: que ela mesma tinha escrito o livro a que ele se referia.
Em debate realizado durante o penúltimo pleito eleitoral para a presidência dos Estados Unidos, Donald Trump interrompeu desenfreadamente sua oponente, Hillary Clinton. Foram 25 intromissões fora de hora em apenas 26 minutos.
Óbvio que no Brasil tal boçalidade se repetiria de forma ainda mais grotesca. Em entrevista ao programa Roda Viva em junho de 2018, a então candidata à presidência da república Manuela D'Ávila fora interrompida nada menos que 62 vezes. Sessenta e duas vezes. Em uma das interrupções o entrevistador chegou ao cúmulo de afirmar que a cultura do estupro não existe.
No ônibus, assentos conjugados, uma menina está sentada quando chega um homem e senta-se ao lado dela com as pernas tão abertas que a ela não resta outra alternativa senão espremer-se no cantinho ou pedir licença e sair dali.
As situações descritas têm nome: "bropriating, mansplaining, manterrupting e manspreading", (do Inglês, respectivamente, apropriação, explicação, interrupção e expansão masculinas).
Se essas cenas lhe causam indignação, eu realmente suspeito que você seja feminista.
Feminicídio.
Relacionamentos abusivos.
Padrão de beleza cruel.
Assédio.
Estupro.
Desigualdade salarial em cargos equivalentes.
Sobrecarga nos afazeres domésticos.
Herança patriarcal em que as mulheres são criadas para casar e não para serem felizes.
Um antipresidente da república que declara que mulheres devem ganhar menos porque engravidam e que uma mulher não merece ser estuprada porque, segundo ele, é feia.
Obstáculos... e mais obstáculos!
E quando alguém sugere que homens dirigem melhor que mulheres?
Ou que futebol é coisa de homem?
Culpabilização da vítima pela violência (física, psicológica, moral) sofrida.
Aqueles comentários...
“Sozinha, aquela hora, queria o quê?"
"Com aquela roupa, estava pedindo!"
"Mas já deu intimidade no primeiro encontro?”
Tudo isso te incomoda?
Se você também acredita na equidade de direitos entre homens e mulheres, pensa que homens e mulheres que desempenham funções equivalentes devem receber salários iguais e defende que as mulheres devem ser respeitadas independente da roupa que [e se] estiverem usando, tenho uma notícia para te dar: você é feminista!
Não precisa ser mulher para ser feminista.
Não por acaso a palavra feminista é substantivo comum de dois gêneros:
o feminista; a feminista.
No mundo inteiro, pessoas com aguçado senso de justiça social declaram-se feministas. Emma Watson, Taylor Swift, Dalai Lama, Príncipe Harry e Barak Obama são feministas. E eu também!
Ser feminista significa lutar contra a violência que atinge a todos, mas de forma perversa e cruel se projeta sobre as mulheres. E quando se pensa em violência é importante saber que a lei – a lei Maria da Penha, uma recente conquista do feminismo – protege as mulheres não restritamente daquelas agressões que deixam marcas explícitas na pele, mas também daquelas que ferem a autoestima, que intimidam suas ações, que ridicularizam e limitam seus direitos como cidadãs.
A pauta feminista é sentinela, sempre alerta contra relacionamentos abusivos, assédio e qualquer vestígio de tentativa de subjugar as mulheres.
O feminismo é necessário porque os direitos das mulheres não são garantidos desde sempre; são conquistas, resultado de muita luta.
Não podemos e não queremos achar normal que se refiram a nós como o sexo frágil ou o segundo sexo, de modo pejorativo.
Não podemos consentir que continuem dizendo que fomos feitas da costela de Adão. Não podemos aceitar que continuem dizendo que é de Eva a culpa da humanidade ter sido expulsa do paraíso!
Pensamentos como esses, transmitidos ao longo de gerações reverberam o patriarcado e o machismo, que para exaltar o homem, rebaixam a mulher.
E é aí que está a diferença. O feminismo surgiu justamente em contraponto ao machismo. O feminismo luta por equidade, sem desvalorizar ninguém. O direito a estudar e trabalhar, poder votar, conquista de espaço na política, na ciência e na tecnologia, liberdade de expressão, independência financeira e reconhecimento profissional são vitórias das mulheres unidas pelo feminismo.
Mas, não se pode cochilar. Sempre há uma forma de tentar perpetuar a ideia de que Eva é submissa, subserviente e culpada.
Quem nunca ouviu ou cantarolou, por exemplo... “99% um anjo, perfeito, mas aquele 1% é vagabundo e elas gostam".
Oi? Elas gostam?
Não, elas não gostam. Elas gostam é de serem ouvidas e respeitadas.
Se você concorda, não há mais dúvida alguma. Sim, você é feminista raiz.
Se você leu meu texto até agora, creio que temos um consenso. Chega de permitirmos que o feminismo seja definido como... “ah, aquele movimento em que queimaram os sutiãs”.
E o pior, essa frase é dita, geralmente por quem nunca usou um!
Aliás, nenhum sutiã foi queimado naquele episódio. Não que elas não quisessem, mas por tratar-se de local privado, não lhes foi permitido.
O que de fato aconteceu foi que visando a denunciar a exploração comercial contra as mulheres, as ativistas aproveitaram a realização de um concurso de beleza, símbolo de uma visão arbitrária e opressiva em relação às mulheresː o "Miss América" de 1968.
As feministas dispuseram sutiãs, sapatos de salto alto, cílios postiços, espartilhos, cintas e outros objetos que representavam a ditadura da beleza e dos padrões impostos às mulheres na época no chão do local do evento.
E se você ouviu o psicopata mau-caráter com déficit cognitivo que temos na presidência falar sobre bijuterias de nióbio, em uma “live” gravada no Japão, enquanto participava do G20 em junho de 2019, e achou no mínimo esquisito quando ele recomendou às mães que coloquem brincos nas meninas, além de ser feminista, você também tem bom senso.
"Nas meninas, hein!" - enfatizou Bolsonaro. Em uma única frase, ele fez apologia a tudo o que o feminismo luta para erradicar.
A responsabilidade de cuidar dos filhos não é só da mãe.
A masculinidade e a feminilidade não estão associadas ao uso de nenhum objeto e de nenhuma cor – ao contrário do que insiste a antiministra dos Direitos Humanos.
A propósito, furar a orelha de uma criança recém-nascida e lhe impor o uso de um adereço totalmente incômodo para um bebê visando a marcar sua feminilidade é uma atitude que eu considero uma violência sem tamanho. A primeira invasão que a maioria de nós, mulheres, sofremos ainda nos primeiros dias de vida.
Ser feminista significa ir além de ter plena consciência que lugar de mulher é onde ela quiser estar.
Ser feminista significa respeitar e apoiar as escolhas das mulheres.
Ser feminista significa ocupar os espaços nos quais quisermos estar.
O feminismo é necessário!
-Ana-