Volta às aulas é prematura

Volta às aulas é prematura

Sem controle da pandemia, volta às aulas é prematura, diz Dieese

Além das restrições materiais para implementar os protocolos de segurança, risco no deslocamento de alunos, pais e professores também preocupa 

Um dos desafios é manter o distanciamento e o uso de máscaras entre as crianças menores. Na foto, retorno às aulas em escola de país asiático

O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) lançou na semana passada nota técnica em que avalia os riscos e desafios da volta às aulas presenciais. Além da falta de infraestrutura nas escolas da rede pública, o documento aponta os riscos representados pelo deslocamento de alunos, pais e professores. Há também a sobrecarga para os profissionais de educação, que teriam ainda a incumbência de fiscalizar o cumprimento das medidas de segurança.

No documento “Educação: a pandemia da Covid-19 e o debate da volta às aulas presenciais”, o Dieese lembra que uma “das primeiras medidas tomadas pelos diversos governos das esferas municipais e estaduais foi a suspensão das aulas presenciais e o consequente fechamento das escolas de suas redes de ensino, no intuito de impedir a disseminação do vírus, dado o seu alto potencial de contágio”. No entanto, a nota técnica também destaca que, mesmo com o pico da pandemia ainda por vir, tem sido percebida uma pressão cada vez maior para a volta das atividades econômicas, incluindo a “pressão pela volta às aulas, principalmente das escolas privadas, atingidas pela alta da inadimplência, pelos pedidos de descontos feitos pelos pais nas mensalidades e pela falta de alunos(as), acarretando perdas em suas receitas”.

Além disso, de acordo com o estudo do Dieese, parte da pressão pela volta às aulas se deve às escolas privadas, atingidas pela alta da inadimplência, pelos pedidos de descontos feitos pelos pais nas mensalidades, acarretando perdas em suas receitas.

Numa referencia a reivindicação de várias entidades representativas, o Dieese menciona a total falta de consulta, mesmo na imprensa, à opinião dos professores sobre o assunto. As reportagens sobre volta às aulas estão sempre mostrando os riscos para alunos, pais e idosos, sem sequer considerar o risco para professores e demais servidores das escolas. Ao invisibilizar os professores, tanto a mídia quanto os empresários parecem desconsiderar a decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu que qualquer possível contaminação pela Covid-19 pode, sim, ser considerada acidente de trabalho e doença ocupacional.

“O foco do poder público deveria estar concentrado no envolvimento de professores e professoras na construção de soluções e em garantir que tanto eles(as) quanto os(as) alunos(as) possam ter acesso aos dispositivos necessários para o acompanhamento remoto das aulas, sem que pais e familiares sejam expostos aos riscos nas ruas, desnecessariamente”, defende o Dieese.


 

Infraestrutura

O Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed) elaborou, em conjunto com as secretarias de alguns estados e outras instituições, um protocolo para o retorno às aulas. As diretrizes a serem seguidas pelas escolas, públicas e privadas, incluem número reduzido de alunos por sala, com cancelamento de atividades em grupos. A disponibilidade de máscaras individuais para alunos e professores. E, ainda, a instalação de “estações de higiene”, com a adequação de sanitários e tapetes com solução higienizadora, entre outras medidas.

A adequação a esse protocolo é um obstáculo, portanto, para as redes públicas de ensino, que não dispõem de recursos, muitas vezes, sequer para o funcionamento habitual das aulas.

Como aponta a nota do Dieese, o “debate sobre o fim da quarentena, sem o devido controle da pandemia e pensado no contexto das escolas, em termos de retomada das aulas presenciais, coloca não apenas o risco de aumento da contaminação, mas expõe, também, a falta de condições de milhões de famílias para fazerem o remanejamento do cuidado de seus(uas) filhos(as). Não é uma discussão que envolve apenas as consequências econômicas, mas também sociais e sanitárias”.

Responsabilidade sobre falências

Ainda em abril, a Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) lançou um “plano estratégico de retomada das atividades do segmento educacional privado brasileiro”. O protocolo tem sido replicado indiscriminadamente pelos sindicatos patronais de Norte a Sul, sem preocupação com as especificidades da situação pandêmica e condições de enfrentamento em cada município, estado ou região. Em contrapartida, enquanto tentam responsabilizar a resistência de trabalhadores em educação pelo não retorno e por uma possível falência de escolas em razão da inadimplência, da evasão e dos pedidos por diminuição de mensalidades, esses mesmos sindicatos patronais não fazem nenhuma articulação política para cobrar ações afirmativas do Poder Público, entre os quais garantir auxílio a estudantes e seus familiares afetados pelo desemprego e pela crise econômica.

Segundo a nota “Pressão irresponsável por retorno às aulas presenciais coloca interesses econômicos à frente da vida” da Contee (Confederação Nacional de Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino), a culpa pela crise no setor privado de ensino não é de professores e técnicos administrativos que decretem greve pela vida, não é de estudantes que peçam redução de mensalidades, não é de pais de alunos que, por ventura, estejam inadimplentes com o pagamento da escola de seus filhos. “A culpa é  da inoperância do governo; é da política econômica ultraliberal de Paulo Guedes que baixa a cabeça para o setor financeiro e se recusa a socorrer pequenas e médias empresas; é do desemprego, da suspensão de contrato e/ou da redução salarial que impedem uma família de pagar a escola; é da falta de articulação política do setor patronal para cobrar soluções efetivas do governo — soluções que passam por políticas sociais — em vez de disputar verbas da educação pública e tentar desvirtuar o Fundeb.”

O Dieese trata desses pontos na nota técnica. “No sentido do planejamento articulado de ações contra a Covid-19, é necessário que não se coloque a perder os esforços realizados até o momento. As escolas sem a presença física dos alunos, a suspensão das aulas presenciais e os decretos de isolamento social foram iniciativas adotadas no combate ao coronavírus, por recomendação de órgãos internacionais, como a Organização Mundial de Saúde (OMS). Mas é preciso avançar na implementação de outras ações, para que as pessoas possam de fato permanecer em segurança, cuidando da própria saúde. Os auxílios para garantir a sobrevivência dos pequenos e médios negócios, para que consigam superar este momento difícil, o perdão temporário das dívidas — tanto das pessoas físicas quanto das pessoas jurídicas — e a transferência de renda do Estado para as mãos da população são ações que permitem que os(as) trabalhadores(as) consigam ter a garantia de que seu emprego ou renda serão mantidos, quando a pandemia for controlada. Permite também que os(as) trabalhadores(as) autônomos(as) e os(as) desempregados(as) possam receber seu auxílio financeiro emergencial, enquanto perdurar essa situação crítica”.

A conclusão do Departamento Intersindical é de que o “foco das preocupações das autoridades públicas e das organizações da sociedade civil há de ser fixado na preservação da vida e da saúde das pessoas, para se evitar que a falta de ação conjunta e eficaz dos poderes públicos, condene milhões de crianças e adultos a uma estação ainda maior de privações”.

 

https://vermelho.org.br/2020/07/28/sem-controle-da-pandemia-volta-as-aulas-e-prematura-diz-dieese/?fbclid=IwAR0xgc__5KIfrK4ZPsLkXKrrPUMiUcHT4OZChxPU4BuTpB1N71t4UZ3D0Ig




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