arte: loro verz

 

»Agora que todo o ódio, todo o ressentimento, toda a mágoa, toda a repulsa, já demonstraram sua força destrutiva, está na hora de refluir. Construir.

Votar, costurar as feridas. Votar, punir os insensatos, punir os bárbaros e incendiários.

Qualquer pessoa mais ou menos sensata compreende que a virtude do perdão tem seus riscos. Em especial as mães saberão. Não se passa a mão à cabeça da criança que insiste em violar as regras do jogo: da educação, do respeito, da própria segurança. Limites. Senão, como aprender?

Jair Bolsonaro não é criança nem tem disposição de caráter para aprender coisa alguma. Ocupado com arminhas, passeios de jet sky, broderagem militar, conspiração comunista e encenação religiosa, com as crianças só tem em comum o egoísmo típico dos recém-nascidos, que ainda não aprenderam que o mundo não foi feito para eles, em função dos seus desejos. Não aprenderam que nós, o resto das pessoas, apenas vivemos nossas próprias vidas: lutamos, seguimos em frente, sobrevivemos – muitas vezes, terrivelmente sozinhos.

Mas não sempre. Não sempre sozinhos, não sempre de cabeça baixa. Chega a hora de levantar a cabeça e reconhecer o que nos sustenta: o mundo, a natureza, as pessoas, as relações sem as quais não existimos.

Agora é a hora. No refluxo do ódio, no alvorecer da longa noite. Hora de fazer alianças para seguir de mãos dadas.

As eleições são aquele momento especial em que é importante erguer os olhos e ver o outro. Não apenas o outro querido, amigos e entes amados, mas sobretudo os outros, o desconhecido. Para além de qualquer ideia abstrata de Deus, pátria e liberdade, pensar concretamente no conjunto das pessoas que nos cercam, que atravessam a rua à nossa frente, que dormem nas esquinas, que trabalham precariamente, que adoecem e esperam cuidados, que têm fome e sede e pressa. Essa imensa multidão que, ainda que anônima, existe e persiste, a despeito do sadismo dos que viram as costas e dizem: e daí?

É hora de votar contra a barbárie, com amor e esperança, no domingo. Mas na segunda, na terça, na quarta-feira e sempre, lembrar e cobrar. Acender velas e erguer vigias a tudo o que foi destruído, morto, derrubado. Condenar claramente, sem meias palavras, todo gesto sádico, todo ato desdenhoso, todo desrespeito e desfaçatez.

Primeiro, pelo voto. Depois, pela Justiça.

https://emais.estadao.com.br/blogs/renato-essenfelder/votar-e-punir-jair-bolsonaro/ 

 

RENATO ESSENFELDER é jornalista, escritor e professor universitário. Radicado na cidade do Porto, é doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutor em Comunicação e Artes pela Universidade da Beira Interior (Portugal). É autor de Febre (ed. Patuá, 2013), As Moiras (ComArte, 2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (Arte & Letra, 20