Voucher e a mercantilização
O voucher e a mercantilização da educação básica
Há um movimento em curso no setor educacional brasileiro. O alerta tem sido feito pelo prof. Luiz Carlos de Freitas (UNICAMP), através do seu blog, há um bom tempo. Falo da adoção do voucher, política que tem sido materializada de forma acelerada, na educação básica.
Matéria publicada na página Marco Zero informa que o Grupo Bahema comprou o Colégio Apoio, escola privada tradicional da capital pernambucana e que atende a demanda da classe média que anseia por uma escola moldada no sócio-construtivismo. Esta aquisição é mais uma feita pelo grupo empresarial baiano que tem como objetivo aumentar sua presença no mercado educacional brasileiro.
Há outros exemplos relevantes. O Grupo Krotón, que já é um dos maiores conglomerados empresarias do mundo, não para de ampliar suas fronteiras mercantis. A Fundação Lemman tem prestado consultórias aos entes governamentais, exemplo seguido pela Fundação Itaú Social, Fundação Telefônica, além, é óbvio, do movimento Todos pela educação. É uma movimentação nunca vista na história do país e que começa a colocar em risco a presença do setor público na educação.
A intervenção mais recente tem ocorrido na educação básica. Dois são os principais motivos: 1) A maioria das matrículas no ensino superior já é ofertada pelas instituições privadas de ensino superior; 2) O orçamento público destinado à educação básica é bem maior do que o destinado à superior. É bom lembrar que o ensino infantil, fundamental e médio é responsabilidade dos estados e municípios e que a maioria das matrículas é registrada em escolas públicas, graças a políticas como o FUNDEB.
Por que pode-se dizer que esta movimentação tende a acelerar? As mudanças ocorridas na legislação federal limitam mais ainda o orçamento público, principalmente na esfera municipal e estadual. A emenda constitucional nº 95, que congela os investimentos primários, começa a dificultar a universalização do direito à educação e cria obstáculos para a melhoria da qualidade do ensino. Não por acaso, o PNE em vigor tem tido pouco efeito prático.
Contudo, o que já é difícil pode ficar pior. O pacote de reformas apresentadas pelo governo Bolsonaro visa desobrigar os entes da federação – união, estados e municípios – a investir um percentual mínimo em educação. A análise feita pelo prof. Salomão Ximenes (UFABC) não deixa dúvidas, o ataque à educação pública é evidente e agressivo.
Ora, o que a atuação dos agentes do Mercado que atuam na educação tem a ver com as reformas do Estado? Tudo. Explico. Imagine um prefeito se deparar com a seguinte situação: não poder aumentar os investimentos em educação e saúde, e ainda ter que escolher entre comprar uma carteira para uma sala de aula ou um esparadrapo para um hospital. O que você faria? Provavelmente sua resposta é amparar o dano imediato.
Agora imagine esse mesmo prefeito ter a possibilidade de pagar uma escola privada, que oferte educação em tempo integral e que tenha uma mensalidade na casa dos 700 reais/mês. O prefeito contratará o serviço privado ou construirá novas unidades, irá equipar as existentes, suprirá o déficit de professores, etc.?
É óbvio que a maioria será induzida a comprar vagas em escolas privadas. Em outros termos, projeta-se a adoção do voucher na educação básica, a exemplo do que acontece no Chile e nos EUA. Tal medida encontra apoio no atual governo brasileiro.
Assim, quem tiver condições de pagar pela educação dos seus filhos, paga, mesmo em escolas públicas, nem que haja a dedução do imposto de renda. Caso contrário, o governo (municipal, estadual e federal) fazer-lo-á através do voucher.
Pois bem, é justamente isso que as empresas privadas, como a Bahema, estão de olho. Já não bastasse as consultorias voluntárias e gratuitas que invadiram as diversas secretarias – estaduais e municipais – de educação, orientando-as na tomada de decisão, agora estamos diante da possibilidade real de vermos a ampliação dos recursos públicos serem transferidos para a iniciativa privada.
Caso isso ocorra, a educação, que é um direito de todos e todas, será balizada pelos interesses do Mercado. Como diz o prof. Luiz Carlos de Freitas, no livro A reforma empresarial da educação, “a qualidade da escola, portanto, é uma mercadoria que está disponível em vários níveis e que pode ser “comprada” pelos pais. Compete ao Estado apenas garantir o básico para o cidadão, expresso no valor do voucher.” (2018, p.32)